Os dilemas morais do carro autônomo

Há uma série de problemas técnicos e jurídicos a serem resolvidos antes da comercialização do carro autônomo. No caso de um acidente, de quem é a culpa?

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Por Boris Feldman
Publicado em 23/09/2018 às 12h00

“Dirigi” uma vez um carro autônomo, ou que andava sozinho, e quase fiquei sem fala. Foi na pista da Nissan, no Japão, há quase 20 anos: câmeras de vídeo instaladas atrás do espelho retrovisor miravam o asfalto e codificavam as imagens enviadas para um computador. Ele as analisava, assumia o comando da direção e guiava o carro pela pista. Incrédulo, eu só acompanhava o volante virando sozinho de acordo com as curvas à frente. Pensei que se passariam décadas até que a indústria transformasse em realidade um automóvel capaz de dispensar o motorista. Poucos anos depois, em 2009, lá estava eu em Munique para a apresentação do Volkswagen Passat CC com o mesmo sistema da Nissan, com uma diferença fundamental: nem o carro nem a pista eram experimentais. Já era um equipamento opcional e a estrada era verdadeira, no sul da Alemanha.

Há uma série de problemas técnicos e até jurídicos a serem resolvidos antes da comercialização do carro autônomo. No caso de um acidente, de quem é a culpa?

Daí para frente, quase todos os lançamentos de automóveis sofisticados incorporavam mais uma novidade eletrônica capaz de substituir funções até então cumpridas pelo motorista. Uma delas traz o carro de volta para a faixa se perceber que o motorista está distraído. Avisa no painel que está na hora de cambiar para reduzir o consumo. Freia para evitar uma batida caso o motorista não tenha pisado no pedal diante do alerta de acidente iminente. Ajusta a suspensão de acordo com as condições da estrada à frente. Estaciona em vagas paralelas ou perpendiculares. Chama socorro no caso de acidente grave em que ocupantes estejam desacordados. Controla volante e acelerador mantendo o carro na estrada e seguindo o da frente a uma distância determinada. E ainda mostra uma xícara de café no painel se desconfiar que o motorista está sonolento…

O somatório de todos estes equipamentos resultou no carro que dispensa o motorista e centenas deles estão sendo testados por diversas empresas. Em alguns países ele pode rodar sem motorista ao volante, em outros deve ter alguém pronto para assumir a direção. Além de fábricas de automóveis, outras do setor de informática, como a Google, também avançam nos carros autônomos.

Um acidente com um Tesla S em 2016, na Florida (EUA), reacendeu a discussão sobre as questões que envolvem o carro autônomo, pois fez sua primeira vítima fatal. O carro vinha rápido por uma avenida e um caminhão do tipo reboque cruzou a pista vindo de uma via secundária. O Tesla bateu em sua lateral sem sequer acionar os freios e o motorista morreu na hora. Os radares do carro provavelmente não detectaram a carroceria branca do caminhão. Seu motorista disse que, ao chegar aos restos do Tesla, ainda viu na tela do painel um vídeo de Harry Potter. O automóvel era semi-autônomo: como ainda não se vendem carros que dispensam totalmente o motorista, ele deve ter as mãos no volante para assumi-lo numa emergência.

Há uma série de problemas técnicos e até jurídicos a serem resolvidos antes da comercialização do carro autônomo. No caso de um acidente, de quem é a culpa? Da fábrica do automóvel ou do software? E na iminência de um acidente, o carro deve proteger preferencialmente seus ocupantes ou os pedestres? Ele dará “folga” ao motorista em todo o trajeto, ou vai exigir sua presença em determinadas situações?

Os técnicos que desenvolvem estes automóveis confessam que existem algumas situações em que radares, sensores e computadores são incapazes de tomar a decisão mais adequada. Uma delas é a do cara parado numa esquina, sobre a calçada e diante de uma faixa de pedestres. O motorista se aproximando da faixa percebe se ele vai ou não atravessar a rua. Mas a eletrônica, ainda não…

Foto Tesla | Divulgação

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Boris Feldman

Jornalista e engenheiro com 50 anos de rodagem na imprensa automotiva. Comandou equipes de jornais, televisão e apresenta o programa AutoPapo em emissoras de rádio em todo o país.

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